domingo, 30 de outubro de 2016


CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


3 - Preparativos



Muito antes de realizar a viagem, iniciei alguns preparativos que foram de fundamental importância para que tudo desse certo.

O primeiro deles foi conhecer alguém que já havia feito o Caminho; nada por acaso, fui apresentado ao Olívio Mont' Alverne com quem acabei estabelecendo uma relação de amizade muito bacana. Ele conhecia bem o Caminho, já havia ajudado diversos peregrinos e acabou sendo meu “guia virtual”  antes, durante e depois da caminhada.

O segundo preparativo foi o preparo físico; alguns meses antes havia tomado a decisão de me matricular em uma boa academia; iniciei um treinamento diário de 90 minutos entre exercícios aeróbicos e musculação que me ajudaram no condicionamento físico para fazer o percurso; também da maior importância, 40 sessões de fisioterapia que ajudaram na flexibilidade e eliminação de dores musculares. 

O terceiro preparativo foi ler bastante a respeito do Caminho de Santiago, desde os aspectos históricos, até o momento atual procurando formar um conhecimento geral a respeito do assunto que me ajudou a compreender melhor a experiência que iria viver; a Internet tem uma infinidade de sites e blogues descrevendo sobre a perspectiva espiritual, religiosa, turística, histórica e a literatura a respeito do assunto é também vasta permitindo ao futuro peregrino um bom conhecimento ao planejar a viagem.

Preparei uma mochila muito simples com o mínimo necessário; o peso da mochila de 5,5 kg era facilmente transportável. Dois itens provaram ser de fundamental importância: capas de chuva, destas bem simples de ir em estádio de futebol e o guarda-chuva. Levei também, como bom paulista,  uma “pochete” onde colocava documentos, dinheiro, cartão de crédito e ficava sempre comigo. As poucas coisas que faltaram acabei comprando no caminho sem maior dificuldade.


Fiz também a matrícula  na “Associação Confrades Amigos Caminho Santiago Compostela” que fica na Vila Mariana em São Paulo, onde tive um atendimento excelente e obtive a Credencial del Peregrino, uma espécie de passaporte que facilita muito a hospedagem em albergues além de permitir obter a COMPOSTELA, uma espécie de certificado por haver percorrido o Caminho; o valor é mais psicológico do que qualquer outra coisa; na verdade, ao receber o documento, sentimos a alegria de “missão cumprida” .

Fiz questão de não reservar qualquer hotel, pensão, ou albergue. Queria realmente viver a experiência sem ter nada programado, exceto o desejo de andar de 10 a 15 km por dia. Desta forma a única coisa planejada era a data do embarque em Guarulhos (11/09/2016) e a data de retorno de Santiago (24/09/2016). 




                                  ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!










CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


4 - Chegou o dia da viagem!!!


Nas últimas semanas antes da viagem, o nível de ansiedade havia subido bastante, causando dores musculares, gastrite, insônia e outros desconfortos. Como administrador de empresas, todas as minhas viagens de negócios (e mesmo férias) sempre foram planejadas em detalhes em termos de hotéis, transporte, comunicação, etc... Desta vez a única coisa que sabia era o voo de ida e de volta. A data de 11 de setembro foi uma mera coincidência e só me dei conta poucas dias antes do embarque; tratei de evitar a atenção da família.  Aproveitamos o sábado para um bom jantar de despedida e o resto foi aguardar o UBER no domingo que me levaria ao Aeroporto de Guarulhos as 12:00 hs. Não havia malas; apenas uma pequena mochila de 5,5 Kg e uma espécie de “capanga” onde estavam meus documentos, cartão de crédito e alguns Euros.



O voo IBÉRIA 6824  partiu de Guarulhos as 15:05 e chegou em Madrid no dia 12/09 as 06:20 da manhã (diferença de 5 horas de fuso horário) com uma duração de 10:15 horas. De Madrid, imediatamente fiz uma conexão – IBÉRIA 3876 -  de 1 hora para Lavacolla uma cidade que fica próxima a Santiago  (uma espécie de Guarulhos em relação a São Paulo). Em Lavacolla peguei um ônibus que passa de hora em hora  e me levou a Lugo uma pequena cidade na direção contrária a Santiago, num trajeto de 2 horas; na própria estação rodoviária de Lugo, peguei mais um ônibus e em 1 hora estava em Sarria, ponto inicial da minha peregrinação. A infraestrutura nos aeroportos, estações rodoviárias e ônibus para dar suporte aos turistas peregrinos é impecável e facilita muito a viagem.  Os táxis são totalmente dispensáveis (e caros).

Cheguei em Sarria por volta de meio-dia sem a menor ideia de onde iria me hospedar.  Saí da estação rodoviária já no meio de vários peregrinos que estavam no ônibus; vi alguns táxis, mas havia me comprometido em só usar um carro ou ônibus no dia de voltar a Madrid em 24/09/2016, compromisso este que levei a sério até o final da viagem. A temperatura estava na ordem dos 20 C. Nas calçadas da cidade estavam desenhados em concreto e lajotas os símbolos do Caminho de Santiago.

Mochila nas costas, comecei a caminhar em busca de hotel ou pousada. Não fazia questão de luxo, mas queria  um quarto com banho privado; este era o único conforto que gostaria de ter durante o Caminho. Tive que andar bastante, mas finalmente acabei encontrando.


                                   ULTREYA, BUON CAMIÑO A TODOS!




CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


5 -  Dia 1 do Caminho - SARRIA!!!


Casas floridas
Os hotéis, pousadas, pensões e albergues em Sarria estavam lotados; por estar localizada a 116 Km de Santiago, a cidade serve como ponto de concentração dos peregrinos de diversos Caminhos. Sarria é também o ponto de partida daqueles, como eu, que vão fazer a última etapa do percurso.  Uma cidade pequena, casas floridas, calçadas desenhadas com motivos do Caminho e situada a 450 m do nível do mar. A altitude era uma referência importante pois a Galícia é montanhosa e o Caminho passa por regiões a 250 m e outras a 700 m. Haja fôlego!


Após muito procurar, acabei me hospedando no Hostal “Casa de Vento” que fica ao lado da Capela de São Lázaro. A moça que me atendeu não aceitava cartão de crédito e exigiu os 30 Euros adiantados. Além disso fez questão que eu comprasse a  Concha, símbolo do Caminho, para pendurar na mochila. Aquela altura eu faria qualquer negócio para ter um lugar onde ficar, com alguma privacidade. Estava ansioso também por colocar o primeiro carimbo na minha credencial de peregrino. Deixei a mochila no quarto, peguei a pochete com documentos e dinheiro e fui descobrir a pequena cidade de Sarria.


Hostal Casa de Vento



Seta Amarela indicando o Camiño


















Logo encontrei  as indicações do Caminho, através das Conchas, das SETAS AMARELAS e dos totens informando quantos quilômetros faltavam para 


Santiago. Como disse anteriormente, esta quilometragem é bastante relativa pois entrar e sair das cidades e povoados, visitar igrejas, museus e monumentos históricos, procurar os albergues, restaurantes, supermercados, farmácias, etc... acabam por aumentar significativamente a quilometragem até o final do Caminho.  

Igreja de Santa Marina ao fundo
Caminhei bastante naquela tarde; de 13:00 hs até as 16:00 hs a cidade fica deserta (famosa hora da siesta). Por volta de 16:30 hs decidi almoçar; comi tortilla e tomei pela primeira vez o vinho dos peregrinos que é de boa qualidade e vendido ao mesmo preço da água mineral. As 18:00 hs, fui assistir a missa na Igreja de Santa Marina. As igrejas são muito simples e como os peregrinos são de diversos lugares do planeta e consequentemente falam diferentes idiomas, a missa é relativamente simples e rápida pois não tem os tradicionais discursos e avisos do padre. Basicamente, após as boas-vindas,  são lidos  três trechos da bíblia e em seguida se inicia a consagração e a comunhão. Todo o ritual não leva mais de 30 minutos. Ao final da cerimonia forma-se a fila para colocar o carimbo na Credencial. A contrapartida pedida é uma doação aos pobres ou acender uma vela convencional (ou elétrica) a critério de cada um. Este ritual ocorre em todas as igrejas no percurso. A missa além do objetivo religioso, acaba por reunir diariamente os peregrinos numa espécie de confraternização, bate-papo e troca de experiências. Observei alguns peregrinos pedintes, que estavam fazendo o caminho pedindo esmolas. Um deles me chamou a atenção por levar junto um “cachorro peregrino” que depois cruzei algumas vezes pelo Caminho. Também na entrada da igreja havia um texto que fiz questão de fotografar  pois definia o comportamento esperado dos peregrinos.

Mensagem aos peregrinos
Peregrino e seu cachorro



















Por volta de 20:00 hs fui então ao supermercado, comprei algumas frutas, biscoitos, água e me preparei para o dia seguinte.

Ao verificar o meu IPHONE, eu havia andado 8,58 Km nesta segunda-feira, praticamente dentro de Sarria. 

                                   ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!






CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


6 - Dia 2 do Caminho - Sarria - Porto Marin


Dormi maravilhosamente bem, mas...  no dia seguinte a surpresa: CHUVA!!!

Mas muita chuva mesmo. A primeira coisa que imaginei foi voltar pra cama e esperar o dia seguinte; a previsão de tempo no Iphone  mostrava chuva por três dias.  O trajeto originalmente imaginado para aquele dia era Sarria - Morgade, num percurso de 13 Km.

Olhei pela janela do quarto e vi grupos de peregrinos com capas de chuva ou guarda-chuvas passando ao lado do hotel e seguindo em frente. 7 horas da manhã - não tive dúvidas, coloquei a roupa de caminhada, vesti as meias, sacos plásticos do supermercado  sobre as meias, uma segunda meia, de tal forma que mesmo com o tênis encharcado eu continuaria com os pés secos; enfiei o que sobrou na mochila, coloquei nas costas, vesti a capa plástica, peguei o guarda-chuva e pé na estrada.

A temperatura devia estar uns 8 graus, bem diferente do dia anterior; ventava muito o que aumentava a sensação de frio. Comecei a caminhar e sorria como uma criança fazendo arte. Uma alegria interior incrível. Andava rápido e do local onde estava precisaria caminhar uns 2 ou 3 Km pelo acostamento da pista de automóveis até encontrar o Caminho. Cada carro ou caminhão que passava era um banho. Finalmente avistei outros peregrinos caminhando e me juntei a eles. Naquele momento aprendi as saudações usadas no percurso quando os peregrinos se encontram: Ultreya, e a resposta Suseya.

Ultreya significa “avante, coragem” bem no sentido físico da caminhada; a resposta é Suseya que significa “para cima” já no sentido espiritual.

A outra saudação muito usada ao se cruzar com outro peregrino é  “Buen Camino”.

Acabei chegando no Caminho oficial que naquela região é bastante acidentado. Subia e descia morros o que dificultava um pouco o ritmo. Os sacos plásticos nos pés não resistiram e logo eu já estava com os pés encharcados. Curiosamente não sentia frio. O Caminho seguia por dentro de matas, fazendas de gado de leite, tipo vaca holandesa (aquelas branco e preto) com o cheiro típico... caminhava longos trechos completamente sozinho, em outros seguia junto com alguns peregrinos e estava tão motivado que passei direto por Morgade, onde no início planejei parar e fui em frente sem a preocupação de onde chegar. Cruzei povoados como Barbadelo, Morgade, Brea, Ferreiros além de outros bem pequenos e quando me dei conta estava chegando em Porto Marin. No caminho, ao passar pelo famoso marco dos “100Km para Santiago” não consegui fotografa-lo de tanto que chovia. Pensei comigo, existe uma infinidade de fotos deste marco e uma a mais ou a menos não vai fazer diferença. Realmente naquele momento tirar a capa de chuva, abrir a mochila e achar meu IPhone para fotografar ia ser um estrago naquele aguaceiro.


Por volta de 13:00 hs estava cruzando a ponte e entrando na cidade de Porto Marin. 




Havia caminhado neste primeiro dia de peregrinação 26,76 Km. Nem eu acreditava. Curiosamente, estava muito bem. 

                                ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!







CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


7 - Dia 3 do Camino - Porto Marin


Pouco antes de chegar em Porto Marin descemos uma ribanceira que exige bastante cuidado para se evitar um tombo e não rolar Caminho abaixo. Nesta hora é que se vê a utilidade do cajado servindo de apoio e formando um terceiro ponto dando o equilíbrio necessário. Isso em dia seco já deve ser bastante difícil, com chuva então é horrível para se chegar na cidade. Observei pessoas idosas, casais e mesmo crianças superando o desafio de maneira incrível. Aliás, idade dos peregrinos no Caminho de Santiago é um fator absolutamente irrelevante.

Igreja de San Nicolas

Albergue O Caminante
A entrada em Porto Marin é feita via uma ponte bastante alta sobre o rio Mino que dá um pouco de medo ao atravessar. Já a cidade é charmosa, com bons hotéis, pousadas, albergues e não foi difícil encontrar onde ficar. Eu estava exausto e com vontade de encontrar logo um local para descansar. Caminhei na direção da Igreja de San Nicolas que se vê de longe e fica bem no centro da cidade; acabei encontrando o “Albergue Bar O Caminante”   com excelente quarto, banheiro privado e banheira (35E). Era tudo o que eu precisava.

Tirei a roupa molhada, enchi a banheira com água bem quente – isso funcionava bem em todos os locais onde me hospedei – e desmaiei na banheira, confesso não sei por quanto tempo. Eu tinha uma preocupação relacionada a resfriado ou gripe que sempre me pegam em São Paulo, mesmo após um pequeno chuvisco; pois lá, mesmo após quatro horas de caminhada debaixo de chuva intensa e vento frio, não experimentei  durante todos os dias que se seguiram nem mesmo uma pequena tosse.

Mais tarde, me troquei e usei e o mesmo artificio dos sacos plásticos - agora duplicados - para calçar o tênis e saí para comer alguma coisa; devido à chuva que continuava  não consegui caminhar muito. Ao lado da igreja matriz, a rua forma na calçada um corredor coberto, onde os restaurantes colocam mesas ao ar livre dando um certo charme a cidade. Tomei uma sopa bem quente com vinho e pão; dei uma olhada nas lojas daquela calçada onde acabei comprando um par de tênis novo (grande bobagem), meias e camiseta. Voltei para o albergue e tirei uma boa soneca.

Por volta de 19 horas, a chuva havia passado; vesti o tênis novo e fui a missa na igreja de San Nicolas.  Após a cerimônia,  fotografei a imagem de Nossa Senhora que era muito bonita e entrei na fila para carimbar a credencial. Jantei um belo ravióli, tomei um bom vinho de peregrino e fui descansar com a sensação de ter feito um bom trabalho. Em outros tempos eu ouviria dos americanos: Great Job Waldey!

O bacana neste caso era eu dizendo Great Job Waldey! pra mim mesmo!



                                   ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!








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8 - Dia 4  do Caminho - Porto Marin


Acordei na quarta-feira e constatei que havia dormido 11 horas. Olhei pela janela e a chuva continuava. Como estava um dia adiantado, pois o plano original era ter andado 13 km até Morgade e eu havia andado 26,76 km direto até Porto Marin, decidi permanecer em Porto Marin por mais um dia. Sábia decisão pois logo percebi que embora estivesse fisicamente bem, isso não se aplicava aos pés que haviam carregado todo o ônus do dia anterior. As unhas dos dedões estavam bem vermelhas.

Desci para tomar o café da manhã bem caprichado do Albergue e perguntei sobre lavanderia; precisava aproveitar o tempo para lavar e secar as roupas. O pessoal me mostrou as maquinas de lavar e secar do próprio albergue que funcionavam com moeda, mas confesso não me animei. Nunca havia feito isso na Vida e naquele sufoco não era a hora de aprender. Me passaram então o endereço da lavanderia que ficava em um prédio próximo. Peguei minhas roupas e fui até a lavanderia que cobrava mais barato do que as moedas que eu teria que colocar na máquina do Albergue.  


Saí feliz da vida da lavanderia e nada por acaso me deparo com um cartaz indicando “Clínica del Pie”. Nada poderia ser mais apropriado naquele momento; fui até a tal clínica onde fui atendido pela podóloga Cristina, super atenciosa e que me explicou que o objetivo era exatamente dar suporte aos peregrinos. Eu encontraria as tais clínicas por todo o Caminho.

A agenda estava lotada pela manhã; não tive dúvidas e reservei um horário a tarde para cuidar dos meus pés. Quando fiz o tratamento por volta de 14:00 hs eu me senti novo. Um misto de pomadas, cremes, massagens manuais e elétricas, corte de unhas, enfim um tratamento realmente diferenciado e que voltei a usar em outras paradas.


Naquela tarde o sol apareceu;  por toda a cidade chamava a atenção os varais de roupas dos peregrinos estendidas para secar. Eu mesmo não perdi a chance de pôr meu tênis velho para secar ao sol. Aproveitei para conhecer um pouco da cidade, caminhei nas margens do rio e por volta de 18:00 hs fui assistir a missa e colocar mais um carimbo da igreja no meu passaporte; minhas preces eram para que o sol estivesse presente na manhã seguinte e eu pudesse retomar a caminhada. De resto era agradecer por tudo que estava acontecendo, pela saúde, pela família maravilhosa no Brasil acompanhando cada passo no whatsap, os 66 anos bem vividos e mais de 50 anos vida profissional. Obrigado! Obrigado! Obrigado! 


Neste dia colecionei os carimbos de restaurantes, farmácia, loja, Clinica del Pie, supermercado e hotel. Importante mencionar que são necessários pelo menos dois carimbos por dia na Credencial para se obter o "tan preciado recuerdo: La Compostela"

Ao final do dia, 5 horas à frente do Brasil, eu trocava alguns whatsaps com os familiares, tipo voz gravada, contando um pouco sobre como foi a peregrinação.

Nesta quarta-feira, em Porto Marin, eu havia andado 5,08 km registrados no meu IPHONE.

                                   
                                   ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!








CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


9 - Dia 5 do Caminho - Porto Marin - Hospital de La Cruz


O dia novamente amanheceu chovendo e não podia adiar novamente a caminhada. Desci no refeitório, tomei um suco de laranja, duas médias de café com leite, um tostado e resolvi dar mais um trato nos pés antes de pegar estrada. Voltei a clínica e fiz mais uma sessão com a pedóloga que insistia em tirar a bolha de água que estava embaixo da unha. No fim ficou acertado que isso eu faria no Brasil. Ufa!!!

Os táxis na praça da igreja eram tentadores, seduzindo os peregrinos com preços módicos para ir a próxima cidade, Palas del Rei. Eu estava determinado - como já havia colocado o plástico novamente nos pés, (dois plásticos em cada pé), mochila, capa,  guarda chuva, iniciei a caminhada para sair da cidade, passando novamente sobre a tal ponte de mais de 100 mts de altura. O Caminho seguia inicialmente paralelo a estrada de asfalto e me chamou atenção o número de peregrinos caminhando naquela dia por volta de 11:00 hs da manhã.

Mojones
Os marcadores de granito (mojones como são chamados) estavam confusos e ao invés de mostrar os quilômetros, a placa dizia C. COMPLEMENTÁRIO que até então para mim não significava nada. Depois vim a aprender que a placa indicava  que foram criados alguns caminhos alternativos (complementários), passando por zonas mais bonitas ou monumentos históricos que ficavam longe do caminho original. Outro aspecto que me chamou atenção é que em alguns “mojones” a placa de quilometragem havia sido levada por algum peregrino, certamente como “recuerdo” do Caminho,  dificultando a informação de localização e distancia para Santiago.   


Debaixo de chuva
A cada dia, meu grau de confiança na segurança do percurso aumentava. Em todas as conversas sobre o assunto com outros peregrinos ou pessoal dos albergues, ninguém tinha ouvido falar de qualquer problema de assalto, roubo ou algo parecido naquela região  e sempre enfatizavam que qualquer agressão a um peregrino seria considerado crime hediondo.
Arvores frutíferas

Caminhei bastante sob a chuva passando por Toxibo,Gonzar,Castromayor  e pequenos lugarejos de três ou quatro casas, onde chamavam a atenção as hortas, as parreiras de uva, os pés de figo carregados, agricultura de subsistência, com abóbora, tomate, pequena roça de milho, os cavalos, as galinhas e sempre as vacas de leite e bezerros. 

A chuva tornava aquelas plantações ainda mais viçosas e a vontade era pegar algumas daquelas frutas para comer. Era a fome que começava a incomodar. 

                                   
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10 - Dia 6 do Caminho - Hospital de La Cruz


Já havia andado 12,65 Km debaixo daquela chuva e chegado a um povoado chamado Hospital de La Cruz no ponto mais alto de todo percurso – 700 mts. Entrei em um restaurante da estrada de nome Meson Labrador para tomar um café com leite e me aquecer; estava lotado de peregrinos. Tomei meu café e o local era tão acolhedor que acabei perguntando se tinham um quarto com banho privado. Para minha alegria, a resposta foi positiva embora a moça foi logo avisando que não tinha WI-FI; esta facilidade só funcionava no restaurante. Creio que esta era a forma de fazer com que os peregrinos viessem para o restaurante e consumissem, caso contrário ficariam direto na Internet em seus quartos.


Desci para o meu quarto que ficava numa espécie de porão do restaurante, tomei um banho bem quente e deitei um pouco. Quando acordei já estava no final do dia. Subi ao restaurante e me surpreendi com a quantidade de peregrinos ali hospedados, todos sentados juntos nas mesas retangulares para 12 pessoas, cada um contando suas histórias numa verdadeira integração de diferentes países. Embora já fosse umas 19:00 hs, o sol deu o ar da graça e apareceu pelas janelas para motivar todos ali sentados.  A cozinheira nos trouxe uma sopa deliciosa e depois uma espécie de salada mista com ovos que tornava aquele jantar bem típico da região galícia. Tudo isso obviamente regado com o tal vinho do peregrino.

Aproveitei o WI-FI do restaurante para falar com a família e alguns amigos, via WhatsApp, SMS, e-mail, ouvi um pouco mais de histórias dos peregrinos, escrevi ali mesmo o meu diário de bordo, coloquei o carimbo na Credencial del Peregrino e acabei descendo para o meu quarto. Todas as noites antes de dormir eu refletia sobre a caminhada, os pensamentos que passaram pela minha cabeça, as prioridades em minha Vida e elegia o melhor acontecimento do dia. Depois fazia minha oração e agradecia por tudo; Obrigado; Obrigado; Obrigado!

Alguém disse que o Caminho de Santiago de Compostela se assemelha muito ao caminho de toda nossa Vida.  Muito interessante!


                                   
                                   ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!








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11 - Dia 7 do Caminho - Hospital de La Cruz a Palas del Rei




Chegou a sexta-feira; acordei cedo, arrumei a mochila e deixei tudo pronto para retomar a caminhada. Subi para o restaurante onde o café da manhã era reforçado, chequei os e-mails da noite anterior e aproveitei para fotografar “o peregrino” , Don Quixote e Sancho Pança e a própria pousada.


O "mojone" mostrava que faltavam ainda 80,068 Km para Santiago; a impressão era de que havia andado os 700 Km desde Roncesvales onde começa o Caminho Frances. Sobre cada mojone sempre haviam pedras depositadas pelos peregrinos, cada um com suas crenças, rituais e simbologia. Recolhi uma pedra, andei com ela no bolso por alguns quilômetros, mas achei que não faria sentido levar comigo, pois pertencia aquela região e deixei próxima a um altar que encontrei na estrada.


Fazia muito frio, os pés doíam um pouco, mas incrível como após alguns quilômetros já não sentia nada a não ser a motivação e a alegria do caminhar. Não estava preocupado com chegar em Santiago. Para mim, o gratificante era a caminhada que hora era plana e hora tortuosa. Haviam trechos em asfalto que perdia um pouco a graça. Decidi parar em uma lanchonete da estrada para um café bem quente e uma meia luna com manteca, enquanto descansava as costas e os pés.


Retomei a caminhada que agora seguia por dentro de uma floresta bastante deserta e confesso senti um pouco de medo. Parei por uns 15 minutos e aguardei outros peregrinos para retomar o caminho à Palas del Rei. Mais a frente o caminho se tornava extremamente acidentado, mais uma vez o cajado me ajudava a evitar uma queda. 


Aprendi que há uma crença de que o cajado tem uma associação histórica com a Santíssima Trindade pois estabelece  os três pontos de apoio ao ser humano. 

 Durante a caminhada eu refletia sobre alguns assuntos da minha Vida, fazia sempre uma oração e sentia aquela alegria interior que tornava a caminhada subindo ou descendo um movimento mecânico, sem o menor sinal de cansaço. 

Nosso organismo tem reservas que superam aquilo que a gente imagina e eu constatava isso a cada dia e ficava impressionado com a minha disposição.


                                   ULTREYA! BUEN CAMINO A TODOS!




CAMINHO DE SANTIAGO A PÉ EM 13 DIAS!


12 - Dia 8 do Caminho - Palas del Rei  



Albergue San Marcos
Em Palas del Rei a chuva apertou novamente, mas é uma bela cidade e não foi difícil encontrar um bom local para me acomodar. O San Marcos – Albergue dos Peregrinos  (40E) muito bem localizado. Apesar de ser albergue, onde a maioria dos hóspedes eram estudantes, consegui um excelente quarto com banho privado; as instalações eram bem organizadas o que me motivou a usar a lavanderia e colocar “meu guarda-roupa” em ordem. Nos albergues em geral, os peregrinos – homens e mulheres – dormem todos no mesmo alojamento; nos hostels e pensões os quartos são individuais ou de casais em geral com banheiros compartilhados.
Igreja de San Tirso

Tive um almoço excelente, bebi o vinho que acredito também faz seus milagres, aproveitei para carimbar a Credencial no restaurante e visitei O Santander, Banco espanhol,  de quem sou cliente para testar o atendimento e CC; tudo funcionou conforme esperado e não tive qualquer dificuldade em sacar Euros no caixa automático. Caminhei pela cidade, passei por um centro de apoio a peregrinos para ver o meu pé que estava incomodando e novamente queriam tirar a bolha embaixo da unha. Nova discussão acabou resultando na compra de um antibiótico que aliviou um pouco a dor. O cartaz neste posto era bem motivador:


Cartaz no apoio ao peregrino
SIN DOLOR NO HAY GLORIA.

Curativos
No final do dia fui assistir a missa na igreja de San Tirso, fiz minhas orações por todas as graças recebidas, coloquei o carimbo, acendi velas e retornei ao hotel após uma bela sopa no restaurante Albergue Castro onde o atendimento era excelente. 

Passei ainda no supermercado DIA onde comprei algumas frutas e água. Curiosamente o padrão de qualidade do DIA na Espanha é bem superior ao similar no Brasil. 

Neste dia eu havia andado 14,04 Km.




                                        ULTREYA, BUEN CAMINO A TODOS!